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terça-feira, 8 de setembro de 2009

ImportaRSE - Florianópolis



CONTRADIÇÕES: SUPERCAPITALISMO OU RSE

Autor: Roberto Gándara Sánchez
Em seu livro
Supercapitalism (2007), Robert Reich, que foi Secretario de Trabalho da administração do presidente Clinton, expõe uma reconversão pessoal em quanto as supostas virtudes do que se conhece oficialmente como responsabilidade social empresarial (RSE).

De haver sido um fiel crente que a implacável busca de ganâncias –o imperativo de toda empresa– é compatível com a responsabilidade social, agora pensa que a RSE representa um desvio de práticas capitalistas tradicionais que socava os fundamentos da vida democrática.

O tema principal do livro não é a RSE, senão a transformação das estruturas econômicas nos Estados Unidos e o mundo durante as últimas três décadas, baixo as normas da chamada nova economia que ele designa como “super-capitalismo”. É um novo ordenamento de políticas econômicas, cuja base ideológica foi formulada e promovida pelas teorias de Milton Friedman e sua escola neoconservadora, conhecida como neocoms ou The Chicago Boys. Em seu livro, Reich descreve as estruturas, interpreta as dinâmicas, detecta as causas e avalia as conseqüências de essa nova economia que privilegia o consumo, o mercado livre, o retraimento do Estado Beneficente e a hiper - mobilidade da produção, os serviços e, sobre tudo, do capital de inversão. Sua tese é que o capitalismo democrático dos anos do pós-guerra, dominado por oligopólios que controlavam os mercados e à mesma vez assumiam responsabilidades sociais como sócios do Estado, tem sido substituído durante as últimas quatro décadas por um comércio global organizado em torno aos valores do consumo e a inversão. Uma feroz concorrência mundial para oferecer mais e melhores produtos a preços baixos (bom para os consumidores) e maiores rendimentos em curto prazo para o investimento de capital (bom para os investidores), há tido dois efeitos paralelos: aumentar a produção de riquezas a níveis nunca antes vistos, e alterar radicalmente o tecido social e cultural, em detrimento de práticas e valores democráticos.

Nesta nova ordem econômica, onde impera a desregulação, a privatização, o retraimento do setor público, e para o qual a única meta corporativa é maximizar ganâncias, há pouco espaço para empresas que tratam de assumir algum tipo de responsabilidade social. Reich traça a teoria e prática da RSE aos finais do século XIX, e localiza seu ponto de maduração na época do capitalismo democrático do pós-guerra. Para essa época, a idéia da RSE se havia institucionalizado no mundo empresarial, o que explica que haja chegado a ocupar um espaço privilegiado nos currículos das faculdades de comércio dos Estados Unidos. Hoje, sem embargo, começa a dominar a doutrina promulgada por Friedman e seus discípulos ao efeito de que a responsabilidade social empresarial não é consoante com os princípios de eficiência comercial; é dizer, que é nociva para o mundo competitivo do livre mercado. Ademais, insiste Friedman, a saúde social é o resultado natural e automático das dinâmicas do livre mercado, pelo que não fazem falta programas dirigidos ao bem social, sejam estes governamentais, empresariais ou do terceiro sector. Mais ainda, a intromissão do mercado em assuntos sociais sem que existam ganâncias tem usualmente um efeito negativo. Para o pensamento neoconservador de Friedman e seus discípulos, por tanto, a RSE, igual que a participação direta do Estado na economia, cria mais problemas do que soluciona.

Esse reclamo ideológico radical há encontrado um caldo de cultivo nas instituições da economia global, gerando uma intensa gestão a favor da privatização (a apropriação de serviços públicos rentáveis por parte do mercado), a desregulação das atividades comerciais, a transferência de recursos do Estado ao setor privado e o retraimento do poder das burocracias governamentais.

Reich identifica um paradoxo neste devir histórico. Em quanto mais se beneficiam os consumidores como resultado da concorrência por oferecer mais e melhores produtos a preços mais baixos, e em tanto os investidores vem seus lucros aumentar em curto prazo, mais pressão se exerce sobre as empresas para reduzir seus custos de produção, ampliar seus mercados e aumentar ganâncias. O resultado deste clima de escalonada competitividade global foi a proliferação de deslocamentos, de políticas laborais mais restritivas e a adoção de políticas públicas que privilegiam metas de desenvolvimento econômico sobre os valores de equidade, participação democrática, justiça social e a integridade do ambiente.

Reich identifica como um dos males deste estado de situação, o enorme aumento de gastos corporativos dirigidos a influenciar ao setor público. Vale destacar a proliferação de lobistas que representam interesses corporativos em Washington, DC. Outro fator de cooptação do setor público por parte do mercado é o aumento de doações a campanhas políticas. As contribuições corporativas a estas, por exemplo, se duplicaram no breve lapso de 20 anos, alcançando no ano 2000 a astronômica cifra de $1.000 milhões de dólares.

De modo que, segundo Reich, o acosso às instituições democráticas provêm de duas direções. A primeira se assenta na perda de confiança geral nas instituições do Estado como resultado da crescente desesperança e desassossego ante o aumento da inseguridade econômica, a iniqüidade e a instabilidade laboral. A visão dum progresso contínuo e estável rumo a um cenário de classe média acessível a todos baixo a sombra generosa dum Estado Beneficente (o American Dream do pós-guerra) se há desvanecido ante a persistência e intensificação dos níveis de desigualdade e exclusão, a expansão quantitativa da pobreza, a liquidez do mercado laboral e a dominação que começa a exercer o sentimento de incerteza; é dizer, de desconfiança ante as possibilidades do futuro. A segunda fonte de acosso à democracia é a cooptação da esfera pública pelo mercado mediante práticas corruptas de influência política para promover a lógica da nova economia. A essência da democracia para Reich não é o sistema eleitoral, senão a ação concertada de cidadãos em busca do bem comum; por tanto, num cenário em que é o mercado e não os cidadãos o que impõe as regras, quem perde é a democracia.

Reich não é um socialista radical, pelo que insiste em reconhecer que o sistema capitalista é essencial para a democracia porque esta requere centros privados de atividade econômica, independentes da autoridade do Estado, sem os quais os cidadãos não poderiam dissentir e subsistir ao mesmo tempo. Sem capitalismo, em outras palavras, não pode haver democracia. Mas a economia de mercado, em câmbio, não necessita da democracia para exercer sua dominação. O caso de Chile serve de exemplo. Augusto Pinochet não demorou em implantar as teorias econômicas de Friedman, mas sua ditadura cleptocrática, com Friedman de assessor a seu lado, durou mais de quinze anos.

Mas o perigo para a democracia não reside em golpes militares e seres moralmente corruptos e sanguinários como o ditador chileno. Jaze mais bem nas estruturas profundas do chamado “super-capitalismo”. O paradoxo atual, diz Reich, é que o câmbio dirigido a beneficiar o consumo e o investimento há erodido as ferramentas políticas e culturais que moderavam a desigualdade e geravam confiança nas instituições. Nas palavras do autor, “ao debilitar a rede da seguridade social, a ordem super-capitalista tem respondido bem às necessidades de consumo individual, mas não às aspirações cidadãs”.

A transição do capitalismo democrático ao super-capitalismo, também afetou o conceito e a prática da RSE, pelo que Reich dedica um capítulo ao tema (“Politics Diverted”). Na base dessa transformação sistêmica jaze a movimentada relação entre as corporações e o Estado, que tem conseguido alterar as práticas tradicionais de bem estar social e promoção cultural. Por exemplo, se percebia antes da nova normativa global, que os campos da educação, a saúde, a vivenda e o trabalho eram responsabilidade principal do Estado, nas quais entes do mercado participavam ativamente, mas sob regras que o primeiro fixava e administrava. Agora, em troca, se promove a idéia de que o sector privado seja quem se ocupe destas funções, baixo suas próprias normas.

Ao finalizar a Segunda Guerra Mundial, diz Reich, o panorama econômico mundial estava dominado por mega-empresas, muitas delas oligopólios ou monopólios, cuja escala e estabilidade lhes forneciam o luxo de pensar metas em longo prazo e considerar o bem estar pessoal e comunitário dos setores laborais. Agora, sem embargo, são outras as regras do jogo e estas excluem assumir responsabilidades sociais. As empresas multinacionais sabem que é necessário organizar uma nova normativa, um novo contrato social que não inclua a responsabilidade social empresarial, particularmente no que respeita ao campo laboral. Não é de estranhar, por tanto, que o primeiro ataque à tradição da RSE teve origem na direita neoliberal. Foram precisamente Milton Friedman e seus discípulos neocoms os que esboçaram o argumento de que a única responsabilidade social das empresas era obter ganâncias (profit making) e que lamentavelmente alguns executivos capitulavam por debilidade ante as pressões de argumentos politically correct promovidos pelos lobistas do RSE. Para a mentalidade neoconservadora, a meta de toda empresa e a responsabilidade social empresarial não são compatíveis, nem sequer em longo prazo.

Não obstante, a idéia da RSE sobrevive no mundo empresarial, ainda que tão só seja por seu valor retórico. Em outras palavras, segue considerando-se bom para a imagem pública das empresas e seus executivos. As razões são múltiplas: em primeiro lugar, a promessa de ser socialmente responsável ajuda a evitar que o Estado adote legislação e políticas reguladoras que poderiam afetar adversamente às metas comerciais. No setor ambiental, um exemplo que usa Reich, as empresas culpadas de derramar petróleo nos oceanos estão prontas a anunciar seu compromisso com o meio ambiente e a implantação de novos controles auto-impostos. A mensagem é que não faz falta impor-lhe regras às companhias comprometidas com o meio ambiente e que são socialmente responsáveis. Por isso, a classe política dominante nos Estados Unidos costuma criticar os abusos esporádicos das companhias petroleiras, em quanto conspira para entorpecer a adoção de medidas regulamentárias que evitariam essas práticas.

Una segunda meta estratégica da RSE é disfarçar medidas econômicas com critérios de responsabilidade social. A decisão de Dow Chemical de reduzir emissões de carbono se toma porque reduz custos de produção, não para proteger o meio ambiente. De igual forma, quando Starbucks outorgou um seguro de saúde a seus empregados não o fez para ser mais responsável com seus empregados, senão para reduzir o nível de turn overs (taxa de substituição de trabalhadores). No campo dos investimentos acontece o mesmo. Quando o Sistema de Retiro de Empregados Públicos da Califórnia anunciou um investimento de $200 milhões no setor de novas tecnologias ambientais insistiu no valor social do evento, mas o que verdadeiramente justificou o investimento foi a aspiração a obter bons lucros de uma indústria em expansão. Em outras ocasiões, a pressão dos consumidores há forçado a adoção de políticas corporativas que logo se anunciam como socialmente responsáveis. Este é o caso de Wendy’s quando abandonou a prática de fritar sua comida com trans fats (gordura trans). O motivo não foi ser mais responsáveis com a saúde pública senão proteger seus mercados em áreas onde os consumidores começavam a rejeitar esse produto. Estes exemplos, insiste Reich, denotam smart management (gerenciamento inteligente) e não responsabilidade social.

Um terceiro valor estratégico da RSE é comunicar às novas gerações de jovens talentosos que o mercado oferece bons privilégios econômicos e sociais, em quanto abre oportunidades para ser socialmente responsável. A mensagem é que não há por que aceitar sacrifícios econômicos como os do magistério ou o trabalho social para fazer o bem, quando as instituições do mercado provêem, junto às obvias vantagem econômicas, a satisfação psicológica de ser responsável com a comunidade.

Mas a Reich não lhe interessa vilipendiar as empresas nem promover o cinismo. Não se trata de um assunto moral de bons e maus, senão de reconhecer os imperativos reais da nova economia. A conduta das empresas hoje, diz, não delata falta de consciência social ou posturas imorais; simplesmente responde a sua própria lógica, à pressão de consumidores e investidores num mundo cada vez mais competitivo. Para os investidores e seus agentes, a responsabilidade social não é um elemento particularmente atrativo; tão só contam as promessas de ganâncias em curto prazo. O longo prazo hoje não é mais que o valor de ganâncias futuras. Em quanto aos consumidores, acontece o mesmo. Quantos estamos dispostos a pagar mais pelo que consumimos a câmbio de que as empresas sejam mais socialmente responsáveis?

Os fundamentalistas do mercado insistem em que apoiar projetos sociais, culturais e ambientais dilui a energia necessária para competir com êxito no mercado global. Reich coincide com a idéia de que a responsabilidade social é incompatível com os interesses corporativos, mas desde outro ponto de vista. Ele insiste, como parte central de sua tese, que a quem lhe corresponde assumir a responsabilidade pelo bem estar social é ao Estado e não ao mercado. É a este a quem lhe toca proteger o ambiente e prover educação, saúde, vivenda, seguridade social, paz e estabilidade laboral, em tanto vela por que a interação do mercado não afete negativamente o tecido social e a cultura democrática.

Resulta irônico, diz o autor, que o ativismo empresarial em programas sociais e culturais impeça que se implantem reformas institucionais reais e necessárias para o bem comum. Por outro lado, o dinheiro que repartem as empresas no campo político, direta e indiretamente, tem o efeito de corromper a classe política e as burocracias governamentais, limitando assim sua capacidade real de regulamentar adequadamente os excessos do mercado e de promover com êxito a justiça social.

Reich reconhece que a tradição da RSE se tem expandido ao grau de dominar o ethos corporativo do seu país. O que se debate diáriamente no âmbito corporativo não é se se deve investir em programas de bem estar social, senão os detalhes de quanto, a quem e em que momento. Não obstante, devemos ter presente que a RSE esconde uma agenda de mercado cujo objetivo principal é reduzir a capacidade do Estado para enfrentar os desafios sociais e culturais nos tempos que correm entre os quais está, antes que nada, a saúde e sobrevivência das instituições democráticas.

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