Nanotecnologia: do campo ao seu estômago
Silvia Ribeiro
A maior revolução industrial de todos os tempos sucede a uma escala tão pequena que passa inadvertida a maioria das pessoas. A indústria da nanotecnologia - a manipulação da matéria à escala do manômetro, a milionésima parte de um milímetro - move atualmente mais de 50 bilhões de dólares a escala global, e os analistas predizem que chegará a um bilhão de dólares anuais em 2011.
Na maior parte das aplicações comerciais estão a engenharia de materiais, a informática, a medicina e a defesa. Mas também as aplicações em agricultura e alimentação crescem aceleradamente.
Em dezembro de 2002, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, sua sigla em inglês) publicou uma primeira aproximação sobre a nanotecnologia em sua área. Segundo a nova visão nanotecnológica, a agricultura será mais automatizada e industrializada, e se reduzirá a funções fragmentadas, eliminando ainda mais pessoas do trabalho agrícola. Seguindo a tendência que se potencializou a engenharia genética, de controle corporativo desde a semente até o produto no supermercado, a agricultura nanotecnológica controlaria inclusive os átomos que compõe esses produtos.
Todas as corporações que dominam o negócio mundial dos transgênicos estão investindo em nanotecnologia. A Monsanto tem um acordo com a empresa nanotecnológica Flamel para desenvolver seu herbicida Roundup (glifosato) em uma nova formulação em nanocápsulas. O principal objetivo deste acordo é ganhar uma extensão de sua patente por outros 20 anos. Pharmacia (agora parte de Pfizer) tem patentes para fabricar nanocápsulas de liberação lenta usadas em "agentes biológicos como fármacos, inseticidas, fungicidas, praguicidas, herbicidas e fertilizantes". A Syngenta patenteou a tecnologia Zeon, microcápsulas de 250 nanômetros que liberam os praguicidas que contêm o contato com as folhas. Já estão à venda com o inseticida Karate, para uso em arroz, pimentão, tomates e milho. A Syngenta também tem uma patente sobre uma nanocápsula que libera seu conteúdo ao contato com o estômago de certos insetos (lepidóptera) lagartas.
Segundo a Syngenta, estas nanocápsulas tornariam mais seguro o manejo de praguicidas perigosos. Justificam assim o maior uso de agrotóxicos e a reintrodução de praguicidas de alta perigosidade. Mas, como as nanopartículas são tão pequenas, podem atravessar o sistema imunológico, mover-se através da pele, aos pulmões e outros órgãos. Ninguém conhece o que sucederá com estas partículas artificiais a sua interação com os humanos, também com o ambiente, insetos benéficos, fauna e flora silvestre. O que acontecerá com as nanocápsulas que não "explodem" logo,ao ser ingeridas por animais ou humanos?
O USDA também planeja a utilização de exércitos de nanosensores que se liberam nos campos de cultivo para medir os níveis de água, nitrogênio, possíveis pragas, pólen e agroquímicos, emitindo sinais que são captadas por computadores remotos. Estimam entre cinco e 15 anos para completar o projeto, que também prevê que, mediante nanocápsulas, pode se administrar agroquímicos segundo a informação recebida no computador. Por certo, esta é uma aplicação desenhada originalmente para a indústria bélica (Smart Dust), para monitorar as condições dos campos de batalha, presença inimiga, armamento, etc.
Os gigantes da indústria alimentícia Kraft, Nestlé e Unilever estão usando nanotecnologia para mudar a estrutura dos alimentos. Kraft está desenvolvendo bebidas "interativas" que mudam de cor e sabor, por exemplo : um líquido com átomos suspensos que se convertem na bebida requerida (café, suco de laranja, whisky, leite e outros) ao submetê-lo a certas freqüências de onda. Nestlé e Unilever desenvolveram emulsões em nanopartículas para mudar a textura de sorvetes e outros alimentos.
Um dos trasfundos de todas estas aplicações em nossos cultivos e alimentos é a incerteza, ainda maior da que existe com a engenharia genética, sobre os impactos que terá a libertação de nonopartículas artificiais no ambiente e na saúde. Onde se depositarão, com que se combinarão, que reações químicas podem detonar com outros elementos, nos organismos e no ambiente. Um estudo apresentado em 2004 na Sociedade Americana de Química mostrou que a presença de noesferas de carbono dissolvida em água causou danos severos ao cérebro dos peixes em só 48 horas.
É evidente que o marco da crescente concentração corporativa e a ciência desenvolvida neste contexto - ainda em instituições públicas, em geral financiada e orientada pela indústria transacional - não inclui preocupar-se por que impactos podem ter suas invenções para a gente comum, os camponeses, consumidores ou o meio. Pelos vastos impactos potenciais que implica, o desenvolvimento da nanotecnologia deve ser objeto de uma moratória global imediata. Mais do que nunca, precisamos um amplo escrutínio e um verdadeiro controle social da ciência. Mas, sobretudo, recuperar o controle social de nossas condições de vida, por exemplo, sobre algo tão básico para todos como a produção de alimentos.
*Sílvia Ribeiro é pesquisadora mexicana, ligada ao ETC Group
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