O que quero agora
Por
Angeles Caso no jornal espanhol “La Vanguardia”
Ángeles Caso (Gijón, 16 de julho de 1959) é uma escritora espanhola.
Estudou Geografia e História,
mas trabalhou como jornalista (Panorama regional, Fundación
Príncipe de Asturias, Instituto Feijoo de Estudios del siglo XVIII (Universidad de Oviedo), Televisión Española, Cadena SER, Radio Nacional de
España…
Será
porque três de meus mais queridos amigos tem enfrentado inesperadamente neste
Natal enfermidades gravíssimas. Ou porque, por sorte para mim, meu companheiro
é um homem que não possui nada material mas tem o coração e a cabeça mais
sadios que tenho conhecido e cada dia aprendo dele algo valioso. Ou tal vez
porque, a estas alturas de minha existência, tenho vivido já as suficientes
horas boas e horas ruins como para começar a colocar as coisas em seu lugar.
Será, quiçá, porque algum bendito anjo da sabedoria tenha passado por aqui
perto e tenha deixado chegar uma baforada de seu alento até mim. O caso é que
tenho a sensação –ao menos a sensação– de que começo a entender um pouco de que
vai esta chamada vida.
Quase
nada do que acreditamos que é importante me parece. Nem o sucesso, nem o poder, nem o dinheiro,
além do imprescindível para viver com dignidade. Passo das coroas de louro e da
bajulação suja. Igual que passo da lama da inveja, da maledicência e o juízo
alheio. Aparto aos queijosos e mal-humorados, aos egoístas e ambiciosos que
aspiram a repousar nos túmulos cheios de honras e contas bancarias, sobre as
quais ninguém derramará uma só lágrima na que caiba uma partícula minúscula de
pena verdadeira. Detesto os carros de luxo que sujam o mundo, os casacos de
peles arrancadas dum corpo morno e palpitante, as joias fabricadas sobre as
penalidades de homens escravos que padecem nas minas de esmeraldas e de ouro em
troca dum pedaço de pão.
Rejeito
o cinismo duma sociedade que só pensa em seu próprio bem-estar e se desentende
do mal estar dos outros, a base do qual constrói seu esbanjamento. E aos
malditos indiferentes que nunca se metem em confusão. Assinalo com o dedo aos
hipócritas que depositam uma moeda nos cofres das igrejas mas não compartilham
a mesa com um imigrante. Aos que te aplaudem quando eres rainha e te abandonam
quando te saem pústulas. Aos que acreditam que só é importante ter e exibir em
lugar de sentir, pensar e ser.
E
agora, agora, neste momento de minha vida, não quero quase nada. Tão só a
ternura de meu amor e a gloriosa companhia de meus amigos. Umas quantas
gargalhadas e umas palavras de carinho antes de ir à cama. A lembrança doce de
meus mortos. Um par de árvores ao outro lado dos cristais e um pedaço de céu ao
que se assomem a luz e a noite. O melhor verso do mundo e a mais formosa das
músicas. Pelo demais, poderia comer batatas cozidas e dormir no chão em quanto
minha consciência esteja tranquila.
Também
quero, isso sim, manter a liberdade e o espírito crítico pelos que pago com
gosto todo o preço que tenha que pagar. Quero toda a serenidade para sobrelevar
o dor e toda a alegria para disfrutar do bom. Um instante de beleza a diária.
Sentir uma grande saudade pelos que tenham que se ir porque teve a fortuna de
haver os tido a meu lado. Não dar nada por sabido . Seguir chorando cada vez
que algo o mereça, porém não me queixar de nenhuma bobeira. Não me converter
nunca, nunca, numa mulher amargurada, passe o que passe. E que o dia em que toque
me esfumar, um punhadinho de pessoas pense que valeu a pena que eu passasse um
tempo por aqui. Só quero isso. Quase nada. Ou tudo.
Ler
más em espanhol:
http://www.lavanguardia.com/magazine/20120119/54245109494/lo-que-quiero-ahora-angeles-caso.html#ixzz3FOCZSxI9
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