Capitalismo
e guerra
A guerra aumenta a venda de armas, mobiliza a
construção civil, a indústria, o comércio e os serviços e, de quebra, elimina
os excedentes populacionais, reequilibrando oferta e procura
Míssil tomahawk que os EUA lançou na Síria.
O capitalismo tem como uma de suas mais
impressionantes características a capacidade de se renovar constantemente,
muitas vezes a partir de suas próprias contradições, transformando tudo em
mercadoria, ou seja, em dinheiro. As drogas, que acompanharam a trajetória da
Humanidade desde suas origens, só passaram a ser consumidas em massa a partir
de sua associação à imagem dos jovens que as usavam como forma de contestação
ao capitalismo na década de 1960. Daí para a frente, tornaram-se o mais
lucrativo negócio da atualidade, movimentando estimados 320 bilhões de dólares
por ano, segundo a ONU. (Em escala bem menor, vale a pena lembrar
a utilização do rosto do revolucionário Che
Guevara em
camisetas, broches, ímãs de geladeira, cartazes, chaveiros, copos, canetas, e
tantas outras tralhas, onipresente em todas as partes do mundo.)
De quando em quando, no entanto, o
mecanismo de funcionamento do sistema entra em colapso, já que a possibilidade
de ampliação do número de consumidores não é ilimitada. Nestes momentos, que
são os temerosos períodos de crise, as empresas – a cujos interesses, a rigor,
os estados nacionais estão submetidos – lançam mão de suas prerrogativas e
pressionam os governantes por uma solução rápida para o retorno da circulação
de capital: a guerra. A guerra não só aumenta de maneira
considerável a venda de armas – foram 65 bilhões de dólares em 2015 -, mas principalmente
mobiliza, em uma segunda fase, a construção civil, cuja cadeia produtiva
envolve todos os demais setores, a indústria, o comércio e os serviços. De quebra,
elimina os excedentes populacionais, reequilibrando oferta e procura.
Se tomarmos como marco do início do
capitalismo a Revolução Industrial, ocorrida no fim do século XVIII na Inglaterra, observaremos que cíclicamente o mundo entra
em conflito e dele o sistema sempre sai renovado e fortalecido. As guerras
napoleônicas, entre 1792 e 1815, que opuseram a França ao resto da Europa, terminaram com o Congresso de Viena, que
no início do século XIX impôs ao planeta a chamada Pax Britannica, garantindo à Inglaterra o controle
das rotas marítimas e a livre circulação de seus produtos industrializados por
todos os continentes.
Setenta anos depois, em 1885, a Conferência
de Berlim repartiu, de maneira arbitrária e violenta, a África e a Ásia entre as principais potências
europeias, com objetivo de garantir o fornecimento de matérias-primas a baixos
preços e ampliar o mercado consumidor de artigos manufaturados. O despeito da
Alemanha, que se sentiu desfavorecida nesta divisão, aliado ao crescente
nacionalismo dos países eslavos subjugados ao Império Austro-Húngaro, foi uma
das causas geradoras da I
Guerra Mundial, que
colocou no campo de batalha cerca de 70 milhões de soldados. O resultado foram
10 milhões de mortos – entre civis e militares – e 20 milhões de feridos, e o
surgimento da União
Soviética, que
provocou uma nova correlação de forças na geopolítica internacional.
Menos de 21 anos após o término da I Guerra
Mundial, com a Europa ainda em reconstrução, explodiu a II
Guerra Mundial, motivada,
por um lado, pelo impasse provocado por problemas não resolvidos na
conflagração anterior, e, por outro, pelos conflitos de interesses econômicos,
sob o verniz de posições ideológicas. O nacional-socialismo do ressentido Adolf
Hitler e sua
absurda concepção de supremacia ariana, o obscurantismo autoritário estalinista
e os chamados “paladinos da democracia” (os países europeus e os Estados
Unidos) lutavam para ampliar suas áreas de influência política – a política
anda sempre a serviço da economia. Terminada a guerra com a derrota do Eixo
(Alemanha, Itália e Japão) - 66 milhões de mortos, entre civis e militares, 35
milhões de feridos –, os Estados
Unidos patrocinaram
o Plano Marshall para reerguimento dos países europeus – menos aqueles sob
influência soviética. Foram investidos cerca de 132 bilhões de dólares em
alimentos, fertilizantes, matérias-primas, produtos semi-industrializados, combustíveis,
veículos e máquinas – 70% desses bens eram de procedência norte-americana.
Os Estados Unidos saíram da guerra
fortalecidos política e economicamente. Junto com seus aliados europeus
(incluindo Alemanha e Itália, derrotados na guerra), de um lado, e a União
Soviética, de outro, redesenharam o mapa-múndi, inaugurando a Guerra
Fria –
que, a partir da década de 1950, contaria com mais um protagonista, a China, fundada no absolutismo sanguinário
maoísta. Passaram-se mais de 70 anos desde então – um dos maiores períodos de
“paz” da história recente da Humanidade. Houve guerras regionais – Coreia, na
década de 1950; Vietnã, na década de 1960; Bósnia, na década de 1990, entre
vários outros conflitos -, mas nenhum deles opôs diretamente as forças armadas
das grandes potências. Os embates da segunda metade do século XX foram, de
certa maneira, terceirizados: a indústria armamentista disponibilizava o
material bélico e os países em litígio ofereciam o campo de batalha e os
soldados.
Hoje observamos o mundo novamente em
turbulência. O cenário coloca em rota de colisão os interesses econômicos dos
grandes conglomerados norte-americanos, conduzidos pelo midiático e
arrogante Donald
Trump; os
interesses do também arrogante ex-chefe da KGB, Vladimir
Putin, ansioso
por recuperar o espaço geopolítico ocupado pela antiga União Soviética; e os
interesses da ditadura sem rosto chinesa, que, com seu capitalismo de estado,
baseado em salários irrisórios, desrespeito aos direitos
humanos e
ambientais, inunda o mundo com seus artigos baratos, causando impacto tanto na
economia norte-americana quanto na geopolítica russa. Observamos ainda o
crescimento preocupante do discurso xenofóbico e ultranacionalista da extrema-direita em todas as partes do mundo,
particularmente na Europa; a instabilidade da representação democrática
na América
Latina, sufocada
pela incompetência, corrupção e populismo; a derrocada dos países africanos,
sucumbidos à corrupção, ao autoritarismo e aos conflitos étnicos e religiosos;
a crise humanitária nos países do Oriente
Médio e
Ásia Central; o perigo atômico encarnado no mimado ditador norte-coreano Kim
Jong-un; e o
fenômeno típico do nosso século, o recrudescimento dos atentados
terroristas fomentados
pelo fundamentalismo islâmico.
Por tudo isso, já não temo pelo futuro dos
meus netos – temo pelo presente dos meus filhos...
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