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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

ImportaRSE - Florianópolis

Ética e RSE: um jogo de soma zero?

23 de Setembro de 2009 – por josep maría Lozano.

Se o olhamos com um pouco de distância, quiçá possamos afirmar que nunca como nos últimos anos expressões como "ética" e "responsabilidade social" se tem incorporado ao discurso sobre a empresa, seja ao nível do politicamente correto, seja indo mais além. Ainda em rigor estas preocupações pela ética e/ou a RSE não sejam uma novidade, sim o é sua presença crescente na opinião pública e no discurso empresarial. De todas as formas, neste processo se produziu, ao menos na Espanha, um fenômeno curioso, como é a constatação de que quanto mais se fala de responsabilidade social, menos se fala de ética empresarial. Quiçá a realidade espanhola pode ter peculiaridades próprias, mas a grandes rasgos não me parece radicalmente diferente das tendências que vemos em outros países. Em qualquer caso, este é um fenômeno que mereceria uma análise sociológica mais detalhada porque, a primeira vista, que ética e responsabilidade social se façam retoricamente a competência (com triunfo por goleada da segunda) pode que provoque certa perplexidade.

O arranque (ou a reativação) do discurso sobre a relevância dos valores morais na empresa se albergava na década de oitenta (e antes, claro está, mas em algum ponto há que cortar) baixo o amplo guarda-chuva da ética empresarial (BE, de Business Ethics). Esta foi uma aproximação dominante, que vinha de anos atrás, que pode verificar-se simplesmente atendendo aos títulos dos jornais e as associações ou redes acadêmicas que se fundaram naqueles anos: ética era o termo recorrente. O leitor haverá notado que a frase anterior está escrita em tempo passado, porque hoje podemos afirmar que aquela apoteose da preocupação pela BE coincidiu a sua vez, paradoxalmente, com a origem de seu declive (não da ética, senão da ética como termo de referência).

Que razões explicam este declive? Muitas e diversas, em minha opinião. Mas antes de apontar-las não olvidemos algo fundamental: que na pergunta pela ética empresarial latia a preocupação pelo sentido, a justificação e a legitimação axiológicos das práticas empresariais. E também a vontade de dispor de uma instancia crítica desde a qual questionar os excessos destrutivos que, no social, o cultural e o pessoal, geravam uma orientação ao benefício como exclusivo critério de orientação para a ação, ou o mercado como única referência coletiva reguladora. Mas, finalmente, a BE teve um sucesso mais que discreto, e sempre transitou com a dignidade do aristocrata arruinado, entre comentários sobre sua altíssima importância e necessidade, e lamentações sobre seu papel entre marginal no propositivo e supostamente corretor no excessivo.

Sem embargo, poderíamos intentar sinalar desordenadamente uns quantos rasgos que aclaram minimamente a progressiva impotência do discurso ético em um contexto empresarial que estava iniciando (sem saber-lo) o começo de seu galope desbocado rumo à globalização e a sociedade do conhecimento (por utilizar dois termos que nos facilitam a comodidade, quando os usamos, de acreditar que todos estão falando do mesmo).

•1. O discurso da ética parte duma matriz individual (ou referida a comportamentos pessoais) e não lhe resulta fácil abordar o que poderíamos denominar o sujeito-organização. Dito com outras palavras, o discurso ético está treinado para pensar à pessoa ou à sociedade, mas não à organização (e, quando o faz, o faz em função da pessoa ou da sociedade). E deve aprender a tratar com um novo sujeito emergente sobre o que pensar em clave axiológica, que é a organização, que põe em evidência que a ética está pensada para pensar sobre pessoas e sobre sistemas sociais, mas não sobre organizações.

•2. A BE responde inevitavelmente a um enfoque normativo - dedutivo. De fato, se fala sintomaticamente de éticas aplicadas, cujo suposto é a preexistência dum discurso axiológico (seja substantivo, seja metodológico) prévio à realidade à que quer aplicar-se, e que deveria submeter-se a ele. De fato, o problema de fundo das éticas aplicadas sempre tem sido o de aclarar quem lhe aplica o que a quem.

•3. O anterior nos leva a uma tópica, porem fundamentada, apreciação do ético como algo tremendamente abstrato. Neste qualificativo podem convergir posturas muito variadas, que podem ir desde a rejeição por parte de certo pragmatismo empresarial de todo o que não esteja à altura de seu vôo galináceo, até a deliberada confusão entre obscuridade e profundidade por parte de alguns mandarins da ética. Porem mais além de perfis desta categoria, nos encontramos habitualmente com um discurso ético que, como tal, pretende suster-se sobre si mesmo, e para o que o contexto (com toda sua ambigüidade) parece não ser mais que um mal necessário para poder expandir-se. Com o que o E o B da BE mais bem parecem dois pisos superpostos e claramente diferenciados; conseqüentemente, a BE se passa a vida indo acima e abaixo, sem parar em nenhuma parte. E assim se expandiu a sensação, que se repetia até a saciedade, que o BE era muito importante, mas que quando falava de ética não falava de empresa, e quando falava de empresa não falava de ética.

•4. Esta tensão entre falar da ação, mas não pensar desde a ação (ou, o que é o mesmo: pensar normativamente sobre a empresa desde instâncias exteriores à empresa) reforçou a sensação de que a BE falava em último término de questões muito importantes, mas que finalmente resultava –para quem estava imerso na ação- muito difícil saber de que falava.

•5. Finalmente, com freqüência a BE não achava o equilíbrio que postulava entre a clássica (e normalmente confusa na prática, para que negar-lo) distinção entre ética e moral, e em muitas ocasiões se confundia com - ou se vinculava a - doutrinas morais ou ideologias que propunham seu próprio discurso sobre a empresa. O que já resultava complicado em si mesmo, se agravava ante a consciência do novo pluralismo emergente tanto interno à empresa (que pode agrupar a pessoas que vivem sua própria vida desde opções morais diversas) como externo (quando as empresas se encontram com o desafio de que devem atuar baixos critérios axiológicos e operativos comuns em contextos culturais muito heterogêneos entre eles).

Assim, a qualquer observador não lhe queda mais remédio que constatar, em coerência com o enfoque de sociologia recreativa que adotei que ao declinar da BE lhe corresponde a presença ascendente da RSE. Como se na cultura empresarial e nos discursos axiológicos também funcionara um sistema de vasos comunicantes nos que, à medida que se fala menos de BE, se fala cada vez mais de RSE. Esta ascensão da RSE tem sua própria explicação, e a ela vou dedicar um próximo artigo.

Mas antes quero deixar aqui uma questão que, pessoalmente, me inquieta. A relação entre a RSE e a BE deve ser um jogo de soma zero? Muitas críticas ao supostamente limitado aporte da ética para a compreensão da realidade empresarial são pertinentes e razoáveis. Mas não será também uma escusa para renunciar no mundo empresarial a qualquer instância crítica, à exigência de fundamentação razoada, à legitimidade valorativa e à construção de sentido?

www.josepmlozano.cat

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