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sexta-feira, 28 de agosto de 2009


Os aprendizados da crise mundial para América latina

27-08-2009 /

Convidado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo dissertei no dia 18 deste mês sobre o impacto da atual crise econômica sobre nossos países. Concluí minha exposição com a seguinte pergunta:

que aprendizados nos deixam os acontecimentos atuais a nossos países de América Latina?
Nesta nota comparto minha resposta com os leitores de Buenos Aires Econômico.

Falei que, em resumo, nada novo. Concluir que, para defender-se das turbulências externas é preciso ter a casa em ordem, é dizer, operar com sólidos equilíbrios macroeconômicos nas finanças públicas e os pagos internacionais. Concluir, também, que o desenvolvimento econômico segue sendo o que sempre foi, é dizer, a construção de cada sociedade, em seu espaço nacional, das sinergias essenciais para desdobrar seu potencial de recursos, gerando e assimilando o conhecimento disponível. Vale dizer que os acontecimentos atuais voltam a demonstrar o papel fundamental da densidade nacional dos países para viver com o deles, abertos ao mundo, no comando de seu próprio destino. Assim como Keynes volta ao Norte, aqui, no Sul latino-americano volta Raúl Prebisch, Celso Furtado e os outros fundadores do estruturalismo vernáculo como referencia essencial para enfrentar, com sucesso, os desafios que expor a emergência duma nova ordem mundial a partir da resolução da extraordinária crise, iniciada a fins da primeira década do século XXI.
O desenvolvimento da América latina e do resto do mundo sub-industrializado seguirá dependendo essencialmente da qualidade das políticas nacionais e de estratégias de inserção internacional compatível com o desdobramento de sua capacidade de administrar o conhecimento. O contexto internacional será provavelmente fundado em princípios menos dogmáticos vinculados com os interesses dos centros de poder internacional, porém os países seguirão crescendo de dentro para fora e não ao invés e, em primeiro lugar, como resultado da qualidade de suas respostas aos desafios e oportunidades da globalização. A densidade nacional dos países vale dizer, sua coesão social, lideranças nacionalistas, estabilidade institucional e pensamento crítico, seguirão sendo as condições básicas para desdobrar políticas válidas na ordem global que emergirá depois da crise.
O surgimento do espaço Ásia-Pacífico, como um novo centro dinâmico do desenvolvimento da economia mundial, está transformando a ordem mundial em três questões principais, que são de especial importância para a Argentina e toda América latina, a saber:

· 1º) a valorização dos recursos naturais e o conseqüente aumento dos preços dos alimentos e matérias primas;

· 2º) o surgimento dum novo pólo financeiro constituído pelos grandes excedentes nos pagos internacionais das principais economias asiáticas;

· 3º) a incorporação de corporações transnacionais asiáticas às inversões internacionais e a formação de cadeias de valor a escala global.

O dilema que deve resolver América latina é se o impulso que atualmente volta a vir de fora, pela valorização dos recursos naturais, vai quedar limitado, como no passado, nos limites da produção primaria, a semi-industrialização e sociedades socialmente fragmentadas. Ou se, pelo contrário, constituem uma plataforma para o desenvolvimento integrado e a formação de economias industriais avançadas.
É cada vez maior a influência da tradição histórica e cultural no desenvolvimento dos países e seu inserção na ordem global. A comparação da experiência dos países asiáticos com a dos nossos dá lugar a reflexões sugestivas. Ambos os espaços foram objetos passivos da globalização, iniciada com o descobrimento do Novo Mundo e a chegada dos navegantes portugueses à Índia, na última década do século XV. Mas a presença européia teve conseqüências radicalmente distintas em uma e outra parte. No Oriente estabeleceram posições de dominação, mas não desarticularam as civilizações pré-existentes. É dizer, a presença européia conviveu com as culturas originárias.
Os “valores asiáticos”, fundados em culturas milenárias são distintos da experiência racionalista e cientificista das nações avançadas de Ocidente. O fato mais importante das transformações de fundo que têm lugar na atualidade radica em que esses “valores” demonstram ser compatíveis com o desenvolvimento científico e tecnológico e, por tanto, com o desenvolvimento econômico. Max Weber associa a ética protestante ao desenvolvimento do capitalismo. Resulta agora que a ética de Confúcio e Lao Tse e as organizações sociais que lhes deram origem, no marco de novas e originais formas do capitalismo e do desenvolvimento nacional, são compatíveis com a gestão do conhecimento, a industrialização e a transformação da estrutura produtiva e inserção internacional. No Oriente, a tradição é um fator de coerência étnica e social e de reserva de valores culturais ancestrais que, agora resultam aportes fundamentais à densidade nacional nos respectivos espaços territoriais, dentro dos quais se desdobram os recursos e o talento de cada sociedade.
Na América latina, as organizações dos povos originários do Novo Mundo se derrubaram ante a presença dos conquistadores. Um século depois do desembarque de Colombo, sobrevivia só cerca dos 10% da população preexistente que alcançava dum extremo ao outro da América, a uns 60 milhões de pessoas. Sobre a população nativa sobrevivente e submetida, os europeus implantaram sua própria presença e, a seguir, outro fato extraordinário: a escravidão de mais de 10 milhões de africanos destinados à produção das minas e as plantações tropicais. Na maior parte do Novo Mundo, os europeus fundaram novas civilizações baseadas na fragmentação social. Na América do Norte, a história foi diferente. Sobre as treze colônias britânicas originais, emergiu um filho, os Estados Unidos, que alcançaria a posição dominante no sistema global. A mesma origem tem o outro país desenvolvido do continente: Canadá.
Na América latina, a tradição inclui a fragmentação social, o submeti mento originado na conquista e a escravidão, a concentração e internacionalização do domínio dos recursos e o pensamento alienado associado aos interesses dos centros de poder transnacional. É dizer, condições inadequadas com a gestão do conhecimento e o desenvolvimento econômico. Assim se explica que, depois de dois séculos desde a independência, não temos logrado alcançar um nível de desenvolvimento e bem estar à altura dos recursos disponíveis. O desafio de nossos países é assim mais complexo que em outras partes, porém, neles, devemos, simultaneamente, enfrentar os desafios do futuro e remover os obstáculos históricos á construção da densidade nacional.
Desde América latina, devemos insistir com propostas para estabelecer uma ordem global mais equitativo, mas temos que concentrar-nos em resolver nossos próprios problemas. Dispomos de uma reduzida possibilidade de cambiar o mundo, mas contamos com uma capacidade decisiva para estar no mundo ao comando de nosso próprio destino.

Aldo Ferrer
Diretor Editorial de Buenos Aires Econômico

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