A Empresa do Novo Testamento
Escrito, 18 de Setembro, 2009 por Julen.
Eu já vivi da empresa. Terminei de estudar e desembarquei numa empresa. Primeiro uma bolsa (o passei bem), logo um contratinho, após um projeto falido de aprendizagem e assim jogamos para adiante. Sempre em redor das empresas. Como estagiário, como empregado, como sócio cooperativista, como proprietário. Empresa como meio através da qual levar a cabo uma atividade profissional. Como, se não. É que há outra forma?
E estudei e li livros e mais livros sobre management. Gurus de verdade, gurus de mentiras, predicadores, fanáticos, vendedores de fumaça, receitas para a felicidade no trabalho. As prateleiras sempre estavam cheias de livros com títulos desenhados para que tua vista se detivesse neles. Alguns inclusive não se recatavam em utilizar termos sagrados: bíblias modernas com as que praticarem a Fé contemporânea. Empresa como lugar sagrado onde uns geram riqueza e outros perdem a vida. Empresa como axioma.
Entre tanto, nestes vinte anos de trabalho, a sociedade de consumo tem ganhado a partida. Seus padrões hão arrasado ruas centrais do primeiro mundo: lugares desenhados para a compra. Marketing e publicidade como reis da festa. E comprar se converte no gérmen da felicidade. Igrejas substituídas por centros comerciais, que diriam os carecas de Funky Business. Diversão para não pensar. O ato compulsivo de compra como grande êxito da empresa moderna. Êxito desenhado, por suposto, para que sejas mais feliz e qual criança caprichosa consiga tua balinha justo ao passar pela caixa. Tu só tens que comprar, deixa o demais em nossas mãos.
Da uma olhada, por exemplo, às ofertas das operadoras de telecomunicações. Os grampos, com grandes letras, enchem a cena. A letra pequena do contrato, em câmbio, te diz como será teu futuro. Mas ambos preferem não ler essas condições porque isso não conduz à felicidade. É nesse preciso momento de consumir, quando o novo iPhone chega a tuas mãos, quando você é feliz. E esse mesmo ato, que só vais poder levar-lo a cabo umas contadas vezes ao longo de tua vida, é o que te vai a provocar angústia. Porque o Deus todo poderoso empresa não descansa e vai colocar no mercado um aparelho melhor. E tu não tens. Aí te ferras.
A empresa do antigo testamento já não vende. Esse modelo poderoso, que atua com raiva, que castiga e ordena, não vende num mundo feliz. Hoje todo é mais sutil na empresa do novo testamento. Gera seus símbolos, se dispersa, atua em múltiplas frentes, está deslocada, usa as redes sociais na Internet. É agora sei que sem nenhuma dúvida, onipresente. Não podes evitar enfrentar-la cada dia. O mundo se ha privatizado: tuas comunicações dependem dela, teus movimentos, teu prazer, tua ausência de dor, tua cultura, teu amor. Não podemos sair do sistema empresa. O engloba tudo. E cobra porque se sabe poderosa. Exige à universidade que lhe entregue determinado tipo de produto pessoa. Exige aos governos que deixem de gastar dinheiro em serviços ineficientes para abrir novos oceanos azuis. Exige a seus trabalhadores que se impliquem emocionalmente, que se fundam numa mística comunhão de interesses.
As empresas do novo testamento têm construído um estranho paraíso. O tem feito com seu esforço e determinação. Heinz Dieterich o recolhe muito bem na Aldeia Global a partir do exemplo de Matsushita (hoje Panasonic é um exemplo avaliado por gurus como John P. Kotter). Não a chama fé senão o “espírito da fome”. É a determinação, a fé cega, o dispor dum sentido para tua vida. Em palavras de Masaharu Matsushita:
“O espírito da fome não se refere a um estomago ou um moedeiro vazio, senão à necessidade de usar a sabedoria e inteligência própria até seus máximos níveis, porque no atual mercado de alta competitividade, nosso objetivo tem que consistir em chegar ao nível mais alto. Quando achamos chegado a ser o número um em Japão, então temos que aspirar a voltar-nos o número um no mercado mundial. Uma vez que temos alcançado este nível, não podemos descansar. Temos que trabalhar para ser ainda melhores”.
Relaxa e desfruta. Tranqüilidade. As empresas têm pensado em tudo: têm já escritos seus relatórios de responsabilidade social corporativa e cavalgam a lombos do capitalismo filantrópico. Em nome da melhoria continuada, a inovação e as pesquisas de satisfação, amem.
A imagem está tomada de http://www.zemos98.org/spip.php?article294
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