REINVENTAR A MOBILIDADE, NÃO APENAS OS CARROS
Como as montadoras conseguirão construir veículos ecologicamente corretos de maneira rentável? Este e outros desafios são abordados neste artigo. Confira! Entre todas as ações e os investimentos feitos em auxílio à indústria automotiva – transfusões, transformações e redesigns – uma coisa é constante: o foco deve estar nos carros. A batalha, como todo mundo pode ver, é para descobrir como as montadoras conseguirão construir veículos inteligentes, competitivos e confiáveis, para atender tanto ao pragmatismo quanto a paixão — e de maneira rentável e mais ecológica. Esta é a abordagem básica, certo?
Bem, talvez não. O foco praticamente obsessivo na construção de veículos ecológicos – quase todas as montadoras globais estão agora na “Corrida Maluca” para criar um veículo elétrico ou plug-in híbrido – tolda o maior desafio e a maior oportunidade: reinventar nossos sistemas pessoais de transporte, de maneira que sejam melhores em todos os sentidos – econômico, social e ambientalmente.
Considere: os carros são um fardo. Você tem que comprar, manter, abastecer, estacionar, fazer seguro e uma infinidade de outras despesas. Se você mora numa cidade e não possui uma garagem, os desafios e custos se multiplicam. Além de custosos, os carros ficam ociosos 95% do tempo. E, quando você finalmente utiliza, há o desafio de ficar preso nas ruas e estradas congestionadas.
O que nos dá liberdade não é o automóvel, mas a mobilidade, a capacidade de ir e vir onde e quando quisermos, da maneira mais adequada e acessível para nossas necessidades e estilo. Isso é verdade em todos os pontos sob o aspecto econômico. Com efeito, nas economias emergentes, a mobilidade é uma condição prévia para a sustentabilidade. Quando as pessoas podem circular livremente de cá para lá, são mais capazes de conquistar um emprego, comercializar mercadorias, procurar educação, obter cuidados médicos, talvez até explorar outros locais para ampliar seus horizontes.
Então, por que, na era digital, quando quase todos os produtos e serviços passam por profundas mudanças, se não total reinvenção, nosso transporte do futuro ainda está enraizado na fabricação e venda de veículos, elétricos ou de outra forma? Porque os titãs da indústria não estão repensando o sistema maior em que estes veículos funcionam? Quando tentamos reinventar a indústria automobilística, isso não deveria fazer parte da equação?
Dan Sturges, acha que sim. "Há um papel para as automobilísticas, se tirarem o foco de fazer carros e começarem a pensar em capacitar as pessoas a se deslocarem".
Sturges tem muito a ensinar sobre mobilidade, um assunto sobre o qual ele é extremo conhecedor e apaixonado. Antigo designer de carros para a General Motors, Sturges agora se concentra no desenvolvimento de sistemas de transporte que melhorem a comunidade – como unir uma gama de veículos pessoais ao transporte público, enquanto utiliza a última palavra em telecomunicações digitais, para criar sistemas de mobilidade integrada e eficiente. Como empresário, Dan encabeçou os esforços para o primeiro “veículo elétrico de bairro” (NEV) produzido em massa, o GEM, que agora pertence à Chrysler. Atualmente, Sturges é o visionário por trás da Intrago, uma empresa que faz "opções de transporte de tamanho adequado para pessoas se deslocarem em ambientes restritos".
No mundo Sturge, toda a discussão em torno de veículos de combustíveis alternativos – desde as grandes montadoras ou qualquer das dezenas de iniciantes, de Apterra a Zenn – é necessária, mas não suficiente, principalmente se as cidades forem muito congestionadas para que esses veículos se locomovam. Essa ineficiência já é evidente, diz ele. "Aqui em Denver, temos uma ocupação média de 1,1 pessoas por veículo. Isso representa uma ocupação media de 20%. Uma companhia aérea não consegue se manter uma semana em atividade com uma ocupação de 20%". No entanto, diz Sturges, nossa conversa sobre transporte ambientalmente responsável aborda simplesmente transfere toda essa ineficiência para veículos elétricos. O resultado é um monte de energia desperdiçada para movimentar todos esses assentos vazios. Além disso, diz ele, estudos mostram que em algumas cidades, quase 40% dos veículos nas ruas estão rodando em busca de estacionamento. Simplesmente mudar para eletricidade, mesmo de fontes renováveis, para alimentar todos esses veículos subutilizados rodando em busca de um lugar para estacionar não vai nos levar muito longe em nossas metas climáticas e energéticas.
Então, precisamos não só de novos tipos de veículos, mas novos tipos de sistemas de transporte.
Já existem alguns sistemas. Há o Zipcar, City Car Share, I-Go, e outras formas de compartilhamento de carros e serviços de micro-aluguel, que oferecem alternativas ao uso do automóvel. Em Paris, há o Véllib, um sistema de aluguel com 20.000 bicicletas e 1.500 estações automatizadas – aproximadamente uma a cada 300 metros em todo o centro da cidade - que oferece aos membros aluguel de bikes a baixos custos (a primeira meia hora é gratuita), que podem ser devolvidas em qualquer estação. Em Ulm, na Alemanha, a Daimler lançou o Car2Go, um sistema semelhante que utiliza pequenos NEVs.
No Brasil, algumas iniciativas tomam corpo, ainda que timidamente. O Metrô de São Paulo conta com bicicletários, que disponibilizam bikes para aluguel a baixos custos, para os motoristas que decidirem estacionar nas estações e continuar o trajeto de maneira mais ecológica. A Porto Seguro também possui um sistema semelhante de empréstimo para seus assegurados, o UseBike. Um projeto do Agenda Sustentável, o Carona Sustentável também promete ajudar a resolver o grave problema da mobilidade, em São Paulo.
Vélib, Car2Go e os serviços de compartilhamento de carros são partes de um sistema maior que Sturges prevê. "Depois que você começa a ver o problema do congestionamento, então pode ter uma discussão de como podemos reinventar ou repensar a forma com que nos movemos. E aí se torna realmente interessante. Esta revolução digital – que nos permite partilhar carros e que nossos iPhones se transformem em ferramentas – é um novo mundo realmente excitante, onde uma rede tridimensional se desdobra perante nós. "
Nessa rede tridimensional, você pode não possuir um veículo, mas ter acesso on-demand a qualquer estilo e tamanho de que precise – desde um pequeno NEV para uma passada rápida no supermercado, uma minivan para as férias com família, ou um clássico sedan para uma reunião com cliente, um conversível para um belo dia, até uma pick-up robusta para uma viagem longa. Os carros podem ser entregues a você ou estar disponíveis numa proximidade razoável do local que precisa. Os preços podem ser ajustados conforme o tempo e a comodidade: se você precisa de um veículo entregue à sua porta, em 30 minutos, você pagará uma taxa mais elevada do que se estiver mais flexível sobre onde e quando receberá esse veículo. Claro, tudo isso tão simplesmente como tocar um ícone no seu smartphone, digitar um sms ou fazer uma ligação.
E não são apenas os automóveis. No "futuro de transporte multimodal inteligente", como Sturges chama, há um leque diversificado de opções de transporte. "Você transita de um modelo para o outro", diz ele. "O futuro viajante urbano que vemos está mais para Tarzan, balançando de cipó em cipó". Você já faz isso quando viaja de avião: dirige ou vai de transporte público para o aeroporto, voa para outro aeroporto e depois "salta" para qualquer que seja o meio de transporte adequado e acessível para levá-lo onde está indo. No mundo "Tarzan" de Sturges, teremos de fazer isto localmente, também. O resultado: chegaremos com menos desgaste de nós mesmos e do planeta, e talvez mais rápido, também.
O caso é: isso faz sentido em termos econômicos. Segundo a AAA (Download - PDF), um carro médio típico custa cerca de US$ 23 por dia – todos os dias, 365 dias por ano - quando calculados o consumo de combustível, manutenção, pneus, seguros, licenciamento, registro, amortização, impostos e encargos. Nesse ritmo, a sua básica garagem com dois carros consome R$ 30.525 por ano. Cortar isso pela metade, possuindo apenas um veículo, ainda pode deixar mais do que o suficiente para pagar todas as partilhas de veículo e serviços de mobilidade - mesmo táxi – de que precisa.
Evidentemente, há uma mudança cultural necessária que tudo isso aconteça. Quanto vai demorar até que os consumidores desistam de um de seus carros familiares? Possuir menos automóveis poderia tornar-se um símbolo de status? Poderemos chegar a um ponto em que não possuir qualquer carro seria o maior dos luxos? Esses desafios culturais parecem quase tão grandes como os tecnológicos.
E os grandes – Generals Motors, Chryslers & Cia – conseguiriam trabalhar neste novo mundo de serviços de transporte, ou será que seu foco na venda de veículos os levaria a tornarem-se dinossauros, mesmo que sobrevivessem? Perguntamos ao Sturges se os Três Grandes seriam realmente capazes de mudar o curso rumo a esta nova direção. "Há muito talento nessas empresas", ele respondeu. "Eu não acho que você precisa de um novo navio. Você tem todo o tipo de recursos de engenharia e pessoas realmente brilhantes. Mas elas precisaram tirar o foco da venda de veículos, e focar mais em capacitar as pessoas a se deslocarem. Eles precisam esquecer a idéia de que as pessoas precisam de um carro para ir a todo o lugar e fazer tudo. Mas não creio que tenha que jogar tudo fora. Só precisa ser imaginativo".
Por Agenda Sustentável (www.agendasustentavel.com.br)
HSM Online
02/09/2009
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