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terça-feira, 26 de janeiro de 2010
CONSTELAÇÕES FAMILIARES
Segundo Frederico Mattos – Instituto Evoluir
“Muita gente julga que o amor tem o poder de superar tudo, que é preciso apenas amar bastante e tudo ficará bem. (…) Para que o amor dê certo, é preciso que exista alguma outra coisa ao lado dele. É necessário que haja o conhecimento e o reconhecimento de uma ordem oculta do amor.”
Bert Hellinger
Bert Hellinger, além de terapeuta é um pensador e investigador magnífico. No alto de seus 84 anos conseguiu atingir uma grande percepção e sabedoria a respeito da alma humana. Descobriu ao longo de 30 anos de trabalho determinado, sério e devotado uma série de leis ocultas que atuam sobre as pessoas, grupos, famílias e nações.
Essas leis vêm sendo ignoradas por toda história da humanidade, causando grandes distúrbios, conflitos e dores em escala individual e coletiva.
•A primeira lei se refere à pertinência: “Todos têm o igual direito de pertencer”.
•A segunda lei se refere ao “equilíbrio entre dar e receber”.
•A terceira lei diz que há uma hierarquia de tempo: “os mais antigos vêm primeiro e os mais novos vêm depois”.
Elas regem a vida de modo inconsciente na mentalidade coletiva.
Bert Hellinger as descobriu através da observação de trabalhos terapêuticos práticos que ele desenvolveu ao longo de anos. Esse processo se desdobrou e sua percepção foi se aprofundando sobre o funcionamento de famílias, casais, nações, empresas e sistemas.
Todo grupo funciona como um organismo vivo que se auto-regula para permitir que sobreviva ao longo do tempo.
Em cada Constelação Familiar realizada, Hellinger foi depreendendo um conhecimento sobre as leis ocultas da vida. Nenhum trabalho foi tirado da teoria para chegar à prática, mas veio da prática para a teoria. Ele observava um fenômeno e dali deduzia algo que se demonstrava enquanto uma lei básica da vida (método fenomenológico).
O trabalho é simples, pois trabalha com questões essenciais da vida como o relacionamento familiar. E apesar da simplicidade ele toca dimensões sutis da alma familiar (alma não no sentido religioso, mas no sentido latino da palavra, “aquilo que empresta movimento a algo”) como a dor, a vida, a morte, o amor e as separações, com isso seus resultados são vastos, complexos e profundos.
Existem leis ocultas da vida que atuam sobre as nossas vidas mesmo que não as percebamos.
1ª Lei: TODOS TÊM O IGUAL DIREITO DE PERTENCER.
O que isso quer dizer? Quer dizer que não importa o que uma pessoa faça de “condenável”, “pecaminoso”, “reprovável” ou “errado” ela continua tendo o direito de pertencer ao sistema familiar.
Isso não quer dizer que ela esteja isenta de repreensões, restrições e até de punições legais, mas apensar de tudo ela continua tendo o mesmo direito de pertencer a um sistema familiar.
Suas atitudes podem diminuir sua credibilidade, confiabilidade e até sua proximidade, mas não tiram seu pertencimento.
Por exemplo, uma pessoa comete um crime e isso causa uma vergonha entre os familiares. Ele vai preso, cumpre sua pena, sai da prisão e passa a morar afastado de seus familiares. As pessoas passam a não comentar sobre o acontecido, evitam falar do passado e tentam apagar da história da família aquele membro. Ele passou a ser um inconveniente e uma “vergonha moral” para a família.
No entanto, essa lei demonstra que quando um membro familiar é assim visto pelos demais isso cria um efeito colateral.
Essa lei atua drasticamente fazendo com que esse membro do grupo seja incluído novamente de um jeito ou de outro, esteja ele vivo ou não.
Normalmente percebe-se que esse comportamento reprovável reaparece em alguma das gerações seguintes em forma de sintomas num dos jovens membros, como um neto ou bisneto (sem que eles saibam). Ou também, na forma de um problema de relacionamento entre membros como irmãos ou um casal.
Essa lei do Pertencimento também é válida para aquelas pessoas que foram prejudicadas em favor de alguém da família. Se por exemplo, um casal se une e essa união foi conseqüência de uma separação com um ex-parceiro, a energia deste também pode atuar sobre os filhos desse casal. Essa é uma dinâmica das mais comuns verificadas por Hellinger. Um filho se comporta de modo inapropriado tendo ciúme de um dos pais, ou sendo tirano em casa, ele pode estar sofrendo os efeitos daquele ex-parceiro da mãe que foi deixado de lado em favor da união dos pais. É quando a felicidade de alguém foi fruto da infelicidade de outro.
Quando esses membros da família são reconhecidos é possível haver uma reconciliação pacífica entre todos. Esses momentos demandam uma grande coragem, pois exige dos membros de uma família que superem seus julgamentos morais em favor da re-inclusão daquele membro excluído.
Pelo bem maior da família que transcende a condenação moral os membros incluídos ganham um espaço precioso no coração de seus membros. Dessa forma todos podem voltar a sentir a paz que foi interrompida pelo acontecimento doloroso do passado.
O resultado individual é que um dos membros que carregava a sensação de não se sentir aceito em nenhum lugar acaba. A sensação de “voltar para casa” dentro de si é incrivelmente libertadora e a felicidade é possível…
São Francisco de Assis diz que é dando que se recebe e resume muito do pensamento religioso. Bert Hellinger, no entanto, percebeu que nas famílias existe uma ordem natural do dar e receber entre pais e filhos e nos casais.
A ordem natural vem do mais antigo para o mais jovem. Os pais dão e os filhos recebem. Os pais dão a vida e os filhos a aceitam. Os pais dão amor e os filhos o tomam em seu coração. Daí decorre um grande aprendizado: os filhos precisam dos pais, mas os pais não precisam dos filhos.
E é exatamente quando essa ordem é invertida que começam os problemas familiares. Nas constelações percebemos muitos pais presentes de corpo, mas com suas mentes voltadas para seus conflitos íntimos. As crianças são muito sensitivas e com seu amor infantil querem trazer os pais de volta para a vida no “aqui-e-agora”.
O resultado é uma inversão de papéis, pois os filhos passam a fazer de tudo para que seus pais se alegrem e se sintam felizes em sua presença. Na tentativa de preencherem esse espaço vazio que os pais deixaram os filhos se sobrecarregam e passam a ser a “felicidade dos pais”. Quando os pais brigam, ele se coloca obediente para um dos pais e tenta criar uma reconciliação, ou fica doente para que os pais se unam cuidando dele. A criança inconscientemente diz “eu vou no seu lugar” ou “eu sofro por você”.
Mas esse amor é cego e não traz solução real e sim um agravamento do problema. Muitos pais acabam abdicando de sua vida de casal para nutrir 100% das necessidades dos filhos e se esquecem que a base da família é o casal fortalecido. Os desejos dos filhos se alegram quando os pais deixam de amarem um ao outro para serem exclusivos deles, mas suas almas se sobrecarregam. E inconscientemente eles acabam pagando com um sentimento de expiação. E toda expiação é sem sentido, não traz crescimento, pois nenhum mal se paga com sofrimento.
No momento que os pais identificam que a criança passou a ter mais importância na família é momento de refletir sobre essa dinâmica da relação. Reassumirem o papel de pais e tirarem a sobrecarga dos filhos para que eles sigam suas vidas.
A melhor forma de os filhos retribuírem o amor que receberam dos pais é passando isso adiante para as próximas gerações.
Entre o casal pode ocorrer um desequilíbrio entre o dar e o receber. Há mulheres que se sentem superiores aos seus maridos e preferem dar todo o seu amor a eles e sem perceber se recusam a receber. Com o tempo esse marido vai se infantilizando e se tornando dependente dela e gradativamente menos atraente como homem. Com o tempo passa a se desinteressar por ela acaba buscando em vícios e distrações preencher o vazio que sente.
Ela dá demais de si e se recusa a receber, pois acredita que dar amor é suficiente. Com o tempo ele se ressente e a relação fica inviável. Isso pode acontecer com homens paternalistas que se dispõem a fazer tudo por suas mulheres. Ele não deixa que ela ofereça nada de si. Com o tempo ela acaba adoecendo, ficando deprimida e isso reforça a sua sensação de que tem que dar mais para a esposa. Sua depressão é um ressentimento pela impossibilidade de retribuir o muito que deu.
É muito comum observar casais onde um concede muito e o outro pouco. Com o tempo aquele que recebeu demais pode agir de três formas.
A primeira é sentir gratidão pelo muito que recebeu e reconhecer tudo que teve. Por exemplo, um marido que foi cuidado pela esposa depois de um acidente e fica ternamente grato pelo muito que recebeu.
A segunda maneira é tentar diminuir ou atacar a pessoa que deu demais para que ela se sinta tão inferior quando ele. Por exemplo, quando um homem perde o emprego e a esposa o ajuda a se manter por alguns meses e nesse período ele não para de criticar cada atitude dela.
A terceira é deixar a pessoa que deu demais, seja traindo ou abandonando a relação.
Portanto, para que o amor dê certo é fundamental que o equilíbrio entre dar e receber seja respeitado.
A ordem natural é os que vieram antes tem prioridade sobre os que vieram depois. Os mais velhos têm prioridade sobre os mais novos.
Os pais vêm primeiro e os filhos vêm depois. Na prática quer dizer que os pais são grandes e os filhos são pequenos. A relação dos pais é a prioridade numa família e os filhos vêm depois para completar o sentido da união do casal. Os pais dão aos filhos e os filhos recebem.
Quando os filhos se sentem maiores, mais importantes e mais capazes que os pais e se portam como se os pais fossem incapazes, isso fere esse princípio. A alma do filho sente um desconforto que se manifesta em forma de sofrimento auto-imposto.
A arrogância dos filhos acaba sendo sentida por estes numa vida com fracassos, doenças e destinos difíceis.
Na medida em que o filho exige dos pais o que acredita que não recebeu isso cria uma desordem na hierarquia, pois o filho se sente no direito de reivindicar o amor dos pais. Com o tempo passa a não querer mais receber o que os pais têm a dar e se torna amargo e duro consigo.
Entre os relacionamentos existe uma hierarquia também, só que diferente.
Quando um filho sai de casa e se une a sua esposa e forma sua família essa família atual tem prioridade sobre a família anterior (pai e mãe). A desordem dessa hierarquia é muito comum e é motivo de queixas freqüentes nos casais.
Quando o filho homem se casa e, no entanto, tem a sua mãe com mais prioridade que sua esposa essa é uma desordem. Ou quando a filha mulher ainda fica presa em sua mãe e seu pai e não se entrega plenamente para seu marido. Esses filhos fazem isso inconscientemente, pois sentem que precisam retribuir tudo o que receberam dos pais, quando na verdade precisam passar isso adiante para a esposa(o) e sua família atual.
A maior solução para esses casos é reconhecer a grandeza dos pais, mas honrar a escolha amorosa atual.
Nas famílias atuais existem muitos re-casamentos.
O segundo relacionamento tem prioridade sobre o anterior, no entanto, se houve filhos da primeira relação estes tem prioridade sobre o segundo relacionamento. Muitas esposas casadas com os homens que já tem filhos de outras relações exigem que o marido corte ou diminua a relação com os filhos de outro casamento. Isso causa uma desordem, pois os filhos vieram primeiro e a segunda mulher veio depois. Além disso, a segunda mulher precisa assumir que é a segunda na vida do marido e que este teve uma primeira mulher, mãe dos filhos deles. A segunda mulher é prioridade frente a primeira mulher, mas é preciso reconhecer-se como a segunda. Essa tarefa é muito difícil para homens e mulheres: reconhecer que os ex fizeram parte da vida dos parceiros.
Essas hierarquias são fáceis de entender, pois respeitam uma ordem temporal, mas são difíceis de praticar se não houver humildade.
Filhos que se arrogam o direito de mandar na vida dos pais ou de exigir tudo desses por longos anos da vida acabam se impondo (inconscientemente) uma vida turbulenta e cheia de dor.
Mas quando conseguem reconhecer a grandeza da vida e perceber que isso é o bastante, a ordem se restabelece no sistema familiar e o amor pode voltar a fluir livremente.
O trabalho com as constelações familiares é sempre surpreendente. Vemos dramas humanos expostos de maneira clara e percebemos como nossa consciência estabelece limites estreitos durante uma vida inteira.
Aquilo que chamamos de consciência moral tem bem pouco a ver com uma consciência que esteja de acordo com princípios divinos. Hellinger percebeu que existe nos grupos (nações, comunidades, famílias) uma espécie de consciência primitiva que atua sem que seja percebida conscientemente. É uma consciência inconsciente e só conseguimos perceber sua presença e atuação pelas conseqüências.
Existem, segundo Hellinger, 3 tipos de consciência: pessoal, a coletiva e a espiritual.
A consciência pessoal é aquela que nos faz sentir bem ou mal perante um grupo. Todo grupo tem suas regras, exigências, limites e leis morais. Lá é dito explícita ou implicitamente o que devemos ou não fazer, o que é permite ou não sentir e expressar.
Se seguir as regras do grupo me encontro adequado, suprindo as expectativas e, portanto, continuo tendo o direito de pertencer ao grupo. Esse sentimento me leva a manter minha sensação de que sou inocente e não infringi nenhuma regra. É muito comum vermos nas famílias que uma pessoa é capaz de cometer verdadeiros desatinos para se sentir pertencendo a um grupo.
Conheço uma história de um rapaz que foi para a guerra e teve suas pernas amputadas. E por esse motivo foi dispensado do serviço militar e voltou para casa. Preferiu não contar o motivo de sua volta até ter a certeza de que sua mãe o pudesse ver pessoalmente. Pediu para que sua irmã o buscasse no aeroporto e lhe fez um pedido:
- Por favor, não conte nada a mamãe sobre minhas pernas. Chegue em casa e conte a história de um rapaz que aconteceu esse problema que tive - falou com lágrimas nos olhos - Gostaria de que sua compaixão com o rapaz a preparasse para o que vai ver quando eu chegar. Você conta essa história e me dá um sinal. Então eu entro!
A irmã compreendeu a preocupação com o coração já enfartado da mãe e atendeu seu pedido. O rapaz ficou com o ouvido atrás da porta. No meio da história a mãe interrompeu o relato da filha e conclamou a Deus “se algo assim acontece ao meu filho, eu morro de desgosto!”. Não foi preciso o sinal da irmã. Ouviu-se um barulho do lado de fora da casa. “Um rojão!”, pensaram. Não era, mas sim um disparo do filho piedoso contra si mesmo que tirara a vida de um jovem para poupar a desdita da mãe.
Essa história com final trágico sinaliza que nem sempre uma sensação de inocência nos conduz a uma verdadeira “boa ação”. Ele seguiu as regras, poupou a mãe em sua consciência e partiu com a sensação de estar fazendo a coisa certa.
A consciência coletiva é aquela que garante o pertencimento de todos os membros do grupo. Como dissemos no segundo artigo sobre as leis do amor, todos tem o igual direito de pertencer.
Essa consciência tem algumas características.
Totalidade: não importa o que a pessoa tenha feito individualmente ela continua pertencendo ao grupo familiar. Tenha ela transgredido uma lei ou fazendo algo vergonhoso diante do grupo essa consciência coletiva não permite que ninguém seja excluído. Se isso acontece é sob pena de que outro membro familiar assuma o destino daquele membro excluído.
Para além da morte: ninguém diminui ou perde o direito de pertencer porque morreu. Isso inclui crianças abortadas ou natimortos, os avós, pessoas assassinadas ou que se suicidaram.
Para além da expiação: apesar de não trazer nenhuma solução baseada no amor o indivíduo acredita que se sofrer algo parecido com alguém que sofreu antes dele ou por causa dele irá voltar a ter uma boa consciência. No entanto, esse tipo de sofrimento compensatório não reabilita ninguém perante a consciência coletiva.
Para além da vingança: quando uma pessoa é excluída do grupo familiar por ser condenada moralmente a consciência coletiva busca sua re-inclusão. Desta forma algum membro da família que não tem culpa pessoal acaba sofrendo o destino daquele que foi excluído como uma vingança. Mas ela tem um alívio momentâneo que não resulta em nada até que a pessoa esquecida seja reconhecida.
A consciência espiritual é uma dimensão mais ampla de entendimento que só surgiu para Bert Hellinger nos anos recentes. Ele notou que essa consciência supera os limites das demais consciências para além do bem e do mal e do pertencimento e da exclusão.
Ela atende a um movimento do Espírito (não no sentido espiritualista de alma individual) que é algo que movimento tudo de maneira criativa e transcende nossos desejos e interesses pessoais. Quando estamos em sintonia com esse movimento do Espírito sentimos uma calma estranha. É uma compaixão desapegada (aparentemente fria) como a de um cirurgião que não se detém pelo medo do paciente e, a contragosto, intervém e cura.
Ao mesmo tempo em que cura esse movimento aceita a realidade como ela é. Inclusive os destinos mais trágicos e dolorosos. Em essência esses movimentos unem o que antes estava separado, mas não por uma necessidade cega de um amor romântico. Esses movimentos do Espírito até parecem um pouco desumanos se olhados superficialmente. Mas sob um olhar cuidadoso pode-se perceber a magnitude e a sensação de verdadeira abertura espiritual para a vida que o Espírito criativo proporciona.
“Isto é de forma básica a única coragem exigida de nós: ter coragem para o mais estranho, mais singular e mais inexplicável que possamos encontrar.”
Rainer María Rilke.
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